O lá ter estado fez-me perder as minhas raízes. De modo a que nunca mais vai ser possível recuperá-las.
segunda-feira, 16 de maio de 2016
• Kishibe no Tabi - o filme
Domingo á tarde. Estou a mirar a zona ribeirinha da cidade de Lisboa a partir dos muros da Casa da Cerca, em Almada.
Fugi do burburinho para ali. A cidade onde nasci fervilha de forasteiros. De turistas vindos de países mais prósperos do que o meu e de emigrantes de países do outro extremo duma escala de bem-estar social.
Todos interagem uns com os outros, por vezes para desconforto de um destes dois lados. E seguem indiferentes ao inconsciente nervosismo que anda no ar por um terceiro lado, o dos locais, causado pelo ludopédio. Hoje é o dia duma supostamente grande decisão final.
Não sendo eu um extraterrestre - que eu saiba - sou um voyeur de toda esta realidade, como se não fizesse parte dela. E não faço mesmo. Sou um ser à margem.
Eu não vivo aqui em Lisboa, desde que para cá voltei, a 10 de Novembro passado. Já não me sinto confortável aqui. Este já não é mais o meu lugar. E se calhar nunca o foi.
Houve algo que mudou em mim. Já não reconheço as gentes e o lugar onde nasci e quase sempre vivi. Depois de um muito curto período em que me acreditei estar a viver em realidade virtual, num lugar bem distante. O mais distante daqui em que estive em toda a minha vã existência terrena.
Um lugar que apesar disso não deixou de me parecer algo familiar. Vá lá, o seu clima não era também absolutamente acolhedor... Mas deixou-me saudades de lá viver.
O lá ter estado fez-me perder as minhas raízes. De modo a que nunca mais vai ser possível recuperá-las.
O lá ter estado fez-me perder as minhas raízes. De modo a que nunca mais vai ser possível recuperá-las.
Lá aprendi que a felicidade é mesmo possível. Mesmo que só a prazo, pouco dilatado no tempo. Mas intensa. Como eu nunca tinha antes imaginado.
Mesmo que pudesse ser mais sábio aprender a ser feliz sozinho, sem depender de ninguém, eu não o consigo conceber. A minha felicidade dependerá sempre de outro alguém.
Esse alguém de quem dependo, a vida me foi apresentando esse ser, de diversas formas.
Da última vez foi a mais perfeita. E das duas uma: ou tenho uma memória curta e sou ingrato ou porventura aprimorei os meus gostos pessoais e já não é qualquer um(a) que me leva e me tem.
Esta última e ainda bem recente vez só por milagre não se terá extinguido a sua chama. Mas a sua luz durou o tempo suficiente para eu ver mais além, uma vez mais.
Já me quedaria por esta perfeição e não iria querer mais, para o resto da minha vida. Mas se a coisa terá findado, porque não continuar a seguir este caminho e chegar um pouco mais longe? Ainda mais longe. Afinal, sei que é possível.
É pena. Pensei que era desta. Mas bom, há que conjugar algo mais do que apenas o querer estar junto. Há que trabalhar para que esse estar junto seja mais permanente.
Não pode ser da próxima vez mais uma breve aventura. Não pode ser outra vez um salto sem preparação. Sem balanço.
Ou então, que seja um recomeço tal como a fantasia que este filme, “Kishibe no Tabi", conta. Seria lindo, se assim fosse.
Nesta história - que em português recebeu o título “Rumo à Outra Margem”, curiosamente* - um casal regressa a sê-lo, após os dois terem estado separados por três anos. Sem notícias um do outro.
E assim como se um deus estalasse os dedos, recomeçam de repente juntos. Sem cobranças. Sem perguntas. Só com a sede de quererem estar juntos de novo.
E vão de mãos dadas e ombros colados descobrir novos lugares. Lugares onde pode ser que a felicidade exista. Sempre maior do que antes.
Afinal, porque não há-de sê-lo?
Quando se tem o meu actual estado de espírito, partir à descoberta de novos lugares é o melhor que nos pode acontecer. Mas a sós de nada adiantará partir, receio…
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Nota: o website oficial deste filme, apenas disponível para leitura em japonês, pode ser acedido clicando aqui.
* A Casa da Cerca, aonde eu rumei no domingo passado, fica naquilo a que os lisboetas costumam chamar de “a outra margem”. Curiosamente, senti esta necessidade de ir para lá.
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