Que ia solitária para o meio dos campos primaveris cobertos de malmequeres. E que lá ficava tardes inteiras a fazer colares com as abundantes flores. Alimentando a sua pequena vaidade própria ornamentando-se com essas cadeias florais.
Isto ela relatou a ele sobre si mesma. E o cativou com o imaginá-la lá, sereníssima, nesses prados ao redor da sua bucólica aldeia.
Nada podia ilustrar melhor aquele que foi o melhor trunfo dela no jogo de sedução a que se entregaram. A sua inocência pura. Conservada nesse cristalino estado até às duas dúzias de rotações da nossa terra em volta do astro-rei. Cujos generosos raios eram os responsáveis pela proliferação daqueles pequenos sóis vegetais, matéria-prima das jóias que manufacturava.
A campestre solidão dela era voluntária. Porque a melancolia da alma que sempre carregou desde a nascença exigia esse retiro. Para se expressar livremente, sem censura social alheia.
De tanto mirar o horizonte ou os pássaros livres, ela começou a sentir-se confinada aos limites do espaço até onde os seus parcos passos a levavam, que ficavam bem aquém de até onde os seus tristonhos olhos negros alcançavam.
E passou a sonhar em demandar a cidade grande. Á beira da qual ele habitava. E se ela já vinha ambicionando dar esse passo grande, assim que ele e ela se cruzaram nesta vida, ele para ela foi então também como um catalizador desse desejo.
Outro objectivo ela tinha, o de cantar. Porque com uma belíssima voz os deuses a apetrecharam. E no boémio meio artístico quis se embrenhar. Para nele medrar. Mais a contento de quem a trouxe ao mundo do que a seu próprio.
Para que as gentes a ouvissem e lhe retorquissem seus devidos aplausos, ela os dotes canoros libertou. Assim como se acendesse uma vela que até aí tinha permanecido com toda a sua cera intacta.
Essa onírica vela que a sua luz interior difundiu era, metaforicamente, a sua inocência. E consumiu-se. E o oxigénio de que essa combustão carecia foi rico.
A inocência pode ser perdida até no meio ambiente de um grupo coral de canto gregoriano. Mas foi logo a fogueira das vaidades dos egos mais sombrios daqueles que fazem da noite o seu dia que a tinha de deslumbrar. Lá onde se destila o que há de mais baixa valia na alma lusitana. As casas de fado mais escuras das ruelas mais estreitas e menos limpas desta maldita urbe, Lisboa.
Essa Lisboa que era a cidade berço dele. Cujo ar se tornou turvo. Porque a cidade e as vis gentes que esta acolhe ao luar a roubaram dele. Mas no fundo, desde o começo da história comum aos dois que ele sempre soube que ia ser assim um dia, mais tarde ou mais cedo.
Ele só não soube foi antecipar a vinda desse aziago dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário