sábado, 18 de dezembro de 2010

• Liquidação total

Estou a pôr o meu carro á venda.

Ao tomar esta decisão de me desfazer deste bem, uma reflexão germinou na minha mente... e porque não desfazer-me de algo mais? Fui-me rodeando de objectos que deixaram de ter valor para mim, ao longo duma existência mal gerida. Nada já tem valor, aliás... Assim... 

Vendo a minha biblioteca inteira também. Fernando Pessoa fez-nos constar que Cristo não teria uma... então para que preciso eu de livros? Estes eram para ser um legado que transitaria para a minha descendência. Mas ela também não lhe saberá dar grande valor ou utilidade. 

Vendo uma catrefada de CD's e de DVD's, que raramente ouço ou vejo, desde há muito tempo atrás.

Vendo a minha vasta colecção de revistas, na maioria em língua francesa, sobretudo exemplares da Geo e da Photo, mas também outras sobre fotografia, viagens e sobre mutos outros temas, alguns mesmo dos mais inusitados. 

Vendo a minha colecção de selos. Na qual não toco há anos. Outros entusiastas por pequenos rectãngulos de papel com cola num dos lados terão mais cuidado com estes. 

Vendo um conjunto de documentos históricos do tempo da II guerra mundial, constituido por brochuras e folhetos de propaganda de origem alemã e dos países aliados do Reino Unido, em português. Vendo uma pilha de cartões telefónicos usados de países estrangeiros. Vendo as minhas rackets de tennis. Vendo as minhas bicicletas de montanha. Vendo um conjunto de arco e flechas para iniciantes no tiro com arco. Vendo a minha tenda tipo igloo, sacos-cama e colchões insufláveis incluídos no pack com esta... 

Vendo o meu iMac G3, com 2 discos externos atafolhados de porcarias de ficheiros que fui deixando gravados neles, que recebia por emails, e que não interessam nem ao menino Jesus. 

Vendo até a minha alma. Se o Diabo não a tiver comprado já... pelo menos não sei se ele me deu em seu tempo algum recibo... mas provavelmente já não serei dono dela, não. 

É já a seguir!... Vou sem demora colocar um anúncio no eBay, onde no texto remeterei para este post deste blog. 

E depois de aliviado desses contrapesos, se os deuses assim quiserem, irei partir com o produto da liquidação total de uma vida com 50 anos por esse mundo fora. À procura de razões para existir outros 50 anos. 

Estou a ficar sem missão alguma para cumprir nesta vida. E eu quero viver até depois dos 100 anos, chegando a essa milestone do centenário como Manoel de Oliveira lá chegou ao seu. Melhor ainda, se possível. 

E além de uma nova missão na vida, uma razão a dar sentido a uma existência até agora gasta levianamente, quero reencontrar o meu quinhão de felicidade, brusca e recentemente perdido. A que todos os humanos deveriam ter direito. E eu sou um homem bom! Eu sei-o. Qualquer humano com um mínimo de sagacidade que me conheça avaliar-me-á como um ser não-descartável*. Tenho direito a ser feliz, caramba!... 

Esta felicidade que digo perdida bruscamente... talvez não o tenha sido assim tão de repente. Eu é que fui cego e não a via, não queria vê-la, esfumar-se diante dos meus olhos. Mas esta estava realmente a sofrer um efeito de erosão. 

Fui nos últimos anos depois do 11 de Setenbro de 2001 estragado com mimos. E agora esses mimos evaporaram-se no ar... Todos sabemos o que um menino mimado assim faz! Faz coisas que não deve... e eu fi-las... porque me julgava impune. Agora sei que não o sou, e apreendendo-o duma forma bem dura... mas merecida, decerto. É o meu karma

Sm, eu sou ainda um menino. Continuo a sê-lo com 50 anos. Não me deixei poluir pela racionalidade adulta. E por isso estou só. É o preço que se paga... 

Um dia, quando a ténue fronteira entre o amor e o ódio foi derrubada, qual muro de Berlin, e quiseram ferir-me rotulando-me de "cromo". 

Eu sou, de facto, um cromo

E creio que nunca conseguirei a façanha de quedar de o ser. Nem nesta absurda errância por este planeta imenso que me proponho empreender. Se para tal a fortuna e a coragem não me faltarem. Antes quero continuar um cromo que transformar-me num vilão ou num canalha. O que para um Scorpio é sempre uma tendência latente. 
  
A ver vamos o que os deuses me reservam nas próximas luas. 

A vontade de voar daqui para fora, essa está cá dentro enraizada, nos sonhos a realizar. É o fado do homem português comum... qualquer contratempo na nossa vida e cuidamos que é sempre deixando a barra do Tejo para trás que tudo se resolve. Ou esquece. 

Quero perder-me e reencontrar-me nas estepes geladas da Rússia central. Deixar os meus olhos observarem a beleza dos glaciares da longínqua Patagónia. Cheirar o ar envolvente dos nipónicos pomares de cerejeiras em flor... Será na pacatez das paragens arenosas e rochosas de Muscat e Oman que a felicidade e bem-estar moram? Ou na selva urbana de Manila? Bangkok, talvez... E em Natal? Do Brasil ou da África do Sul? Não sei se me detenha na Bretanha... nesse reino mágico anexado pelos franceses há mais de 500 anos ou na pequena povoação do mesmo nome no nordeste da ilha de São Miguel, Açores. Las Vegas era capaz de ser fixe... 

* Bem a propósito do que disse, deixo aqui esta citação: "Abandonando nobremente quem nos deixa, colocamo-nos acima de quem nos perde", Anne Louise Gemaine Necker, Madame de Stael.