domingo, 28 de agosto de 2016

• Grau Zero atingido

L’épée porte la gaine”, assim diz o povo francês. E eu gosto tanto desta expressão tão sábia e nobre que já dissertei um dia sobre esta, aqui neste blog.

Como o bom velho Jean-Jacques Rousseau também referia, assim também as paixões que um homem tem ao longo da sua vida o vão desgastando. E por isso, acho que vou parar por aqui.

Tenho sido como uma borboleta que esvoaça em torno da atraente luz duma lâmpada incandescente. E como é muito natural, lá vem a habitual queimadura, sempre expectável, de cada vez que ouso experimentar de muito perto o seu calor.

A luz é uma metáfora da beleza da alma feminina, que eu idolatro. E o calor é o amor que as mulheres derramam sobre mim, generosamente mas por períodos finitos no tempo.

Porém, o meu amor não é jamais finito. E é por isso que pago depois um preço elevado.

Mas vou deixar de pagar. Julgo que não vou ver mais em ninguém neste mundo uma missão para a qual terei nascido. Até porque fui desenraizado. Esvaziado de um importante sentido de viver.

Há um ano atrás, por esta mesma altura do ano, antevi pela última vez uma missão que tinha a cumprir junto de outro alguém. 

Essa missão, que eu queria eterna, era porventura apenas temporária. E talvez até a tenha cumprido com algum preceito. Mas findou. Ou não a soube levar a bom porto adequadamente. Ou seja, falhei.

Talvez ver em outros seres missões a cumprir seja apenas a forma com que justifico para mim próprio o impulso de querer ir aplacar com estes a minha sede de amar e ser amado. 

Afinal, pode não haver qualquer missão… Sou só eu que tenho essa miragem. E que desato a correr atrás desta.

Ao menos posso dizer hoje que me quedo com o consolo de ter encontrado a quem mais amei, acima de todas, nesta minha actual existência vã. E de ter experimentado o que é ser um “instant couple”, maravilhosa ventura!…  ;-)

Agora, fico-me por aqui. Antes eu pensava que não podia passar um dia sequer sem abraçar a mulher amada, qualquer que esta fosse. E por isso só quero alguém que aceitasse o meu abraço. 

Hoje sinto que vir a abraçar outro ser qualquer perdeu esse sentido inicial que eu tinha. Porque não haverá outro abraço igual áquele de que me lembrarei para todo o sempre.

Atingi o grau zero. Acabou-se. Não mais vou me apaixonar.

Não posso fazê-lo. As memórias não me deixam. Como esta, que conto a seguir, que me tem assaltado diversas vezes ultimamente…

Naquele dia, pela primeira vez na nossa curta vida de “casal instantâneo” resolvemos que nos iamos separar assim que chegássemos ao centro da cidade. E assim aconteceu, fomos cada um para seu lado. Embora titubeantemente.

Contudo, combinámos que daríamos a nós próprios um rendez-vous em hora e local determinado. Quando dos nossos afazeres nos sentíssemos livres.

Esperei por ela nas cercanias da Ristinkirkko. E ela trouxe um gelado para nós dois. Um simples gelado de cone, com um único e singelo sabor a baunilha. Um doce que tresandava à sua meninice, vivida então atrás da cortina de ferro.

Porque é que ela tinha logo de trazer-me esse gelado nesse dia, que nunca mais esqueci?…

Agora ando sempre a imaginá-la, porque ao lado dela não estava nesse momento, a retirar com sua mão - ela que disse um dia de si mesma, “I am love” - da arca frigorífica no mini-mercado estoniano da Rautatienkatu os dois items. Com a luz do seu sorriso.