segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

• Até que nasça outro como tu

Bem… eu devo ser o último gato pingado a dizer finalmente algumas palavras sobre ele, que foi hoje a enterrar…

Ele não me dizia já grande coisa. Nem durante os seus anos de glória o disse. Eu não era da sua cor, o encarnado.

Mas ao ver o imenso carinho que por ele foi despertado hoje, no dia da sua partida, na volta a um estádio de football em que ele já não chegou a jogar… Porque o seu tempo de campeão no activo já há muito tinha findado. Carinho esse que vinha de quem nem o viu fazer um único golo!…  

Acontece que os golos dele foram daqueles em que as redes das balizas hoje ainda tremem. 

E é por isso que o veículo funerário negro em que ele era conduzido à volta do relvado ficou coberto de vermelho. De lágrimas de sangue português com que se tingiram os cachecóis emblemáticos das claques do seu clube.

Aquilo comoveu-me. Estupidamente. Incontrolavelmente.

Eu sou do clube que é o seu principal rival na cidade que ambos partilham e que é a minha, para o bem e para o mal. E uma amiga minha feicebuquiana, que é do clube da cidade rival da minha - uma rapariga que ainda mal deixou de ser teenager - tal como eu, pensou e disse naquela rede social que também se comoveu com as imagens televisivas do funeral deste homem. E que a levaram a pensar como será o dela. Que ainda virá bem longe, pela ordem natural das coisas, como se soe dizer…

Tem piada... Eu também fiquei a pensar quantas pessoas estarão no meu... E que ninguém mais em Portugal - nunca mais - terá um funeral como este, com tanta gente a bater palmas ao homem com um coração enorme que ele foi. Ao longo de todas as avenidas desta capital que o seu cortejo fúnebre atravessasse.

É que, afinal, todos nós temos inimigos. Amália e Saramago tiveram-nos. Mas Eusébio?... Quem é que é capaz de se lembrar dum inimigo daquele homem???... 

Imagino bem que os seus antigos adversários diriam com certeza que a jogar contra ele perder custava menos. Não custava nada, mesmo. Era ele. E depois ele dava-lhes uma palmadinha nos ombros, como que a pedir desculpa, pá!..

Ele tinha uma sede de vitórias tremenda. Mas ainda maior do que essa obsessão era uma outra que ele tinha: a de não magoar ninguém com a superioridade quase inata que os outros lhe apontavam. E que ele não queria alardear, nunca.

Se for possível imaginar-se um paraíso na terra, ele deve ser um país povoado só com Eusébios.

Ele não era letrado? Pouco importa. Ele aprendeu tudo o que é preciso na vida na sua meninice em Moçambique. E continuou assim pela vida fora a ser o mais inteligente dos homens.

Foi usado? Foi. Mas ele não sabia dizer que não. Quem é que o pode recriminar por só saber ser generoso?

E deixem-se de tangas, de dizerem que ele foi só um jogador de football!… Ele foi sobretudo um homem bom!!! E que merece todas as honras que se lhe sejam dedicadas. Ele merece. Ninguém merece mais do que ele. Nenhum português. Tenham lá santa paciência!...

Nenhum português se tornou mais universal do que ele. Nenhum. E se acaso acharem, ó tugas malditos, que é demais todas as honras que lhe estaremos a dar, lembrem-se…

Se em outro qualquer país desta terra ele tivesse vivido, nesse mesmo país ele seria provavelmente ainda mais acarinhado do que o foi em Portugal, ao longo de toda a sua existência e depois desta.

Ele teve e tem ainda admiradores mais fervorosos do que os seus compatriotas em toda a parte deste mundo. E isso é que faz com que eu lhe queira prestar a minha homenagem pessoal.

Descansa em paz, ó Rei! E obrigado por teres querido ser português. E pelo orgulho que nos emprestaste. Que vai durar ainda muito tempo. Até que nasça outro como tu.

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