quarta-feira, 25 de maio de 2011

• A vida é um lugar estranho

Na passada sexta à noite fui a uma feira de vaidades à portuguesa.

Digo, à portuguesa, porque temos a mania de que somos um país de poetas. E feira de vaidades porque temos a mania de que somos bons nas poesias. E anseamos por mostrar aquilo que de nós todos brota em quantidades industriais, sem nos preocuparmos em fazer qualquer triagem de qualidade.

Fui a este evento a modos que convidado por aquela que deveria ser o seu protagonista mor, a homenageada principal. A meu ver, ela não teve o que o seu valor enquanto Raínha, ser humano e mente singular merecia. Porque o palco foi-lhe subtraído bastas vezes pelos plebeus, à laia de alimentar essa fogueira que era a tal feira de vaidades. Ela, com a sua inata generosidade e humildade, nisso consentiu de forma até inconsciente, presumo.

Mas vamos ao princípio, num resumo rápido. Num Cu de Judas - curiosamente, o nome de um ex-edil desta câmara e o que talvez tenha mandado construir este edifício na foto de cima -  denominado Massapés, freguesia de São Domingos de Rana, existe uma biblioteca municipal que promove serões com escritores com alguma regularidade, ao que me apercebi. Ela, soberana, predispôs-se abnegadamente a lá ir, para o povo a ver.

Para se dar a todos nós com a sua propensão irreprimida de vontade de se entregar, assim é o seu coração, aperaltou-se. Chegou vestida como cortesã, dessa corte do Roi Soleil, Louis XIV, mas com uma miscelânea de pormenores. Face imaculadamente alva, maquilhada como uma gueixa; máscara veneziana nos olhos; peruca com cabelo armado e tingido de rosa; uma profusão de guizos à cintura, como fada Sininho. Até se assemelhava a uma marioneta de sonhos. Em suma, porque não pude me aperceber de tudo.

Ela entrou, triunfal, caminhando para o salão, com um séquito de aias a acompanhá-la atrás.  Não me viu nem o tinha de ter feito. Mas eu sim, vi-A. E senti um frisson, como donzela em apuros.

Da sua escrita falou, depois de esta ser declamada por um mentor dela, talvez. Da sua condição de Raínha partilhou connosco as agruras. Sim, porque até ela as tem. Ou teve. 

O sangue ferveu-me quando a questionaram se ela teria andado na rua. Como se isso tivesse alguma relevãncia. E ferveu-me porque a questão parecia feita à medida de a ferir, nem que fosse muito de leve. Mas ela, superior, não o permitiu, claro. Nem uma Dama como ela ia lá agora relevar isso. Eu é não deixei de sentir as presumidas por mim dores dela.

Aqueles que na plateia julgava eu a tinham ido ver e reverendar ocuparam-se então a dado passo de se pavonear. Era afinal a isso que ali iam, compreendi então. Aproveitando-se de um evento que para eles não era. E roubaram o tempo dela e o meu.

A tal roubo não quis assistir. Mas a casa não era minha. E assim não pude intervir. E ausentei-me do salão.

Quase ia empreendendo a minha caminhada dali p'ra fora. Foi então que vi que o povo se fartava de se exibir. E voltávamos então a poder ter a nossa soberana para nós. Quando ela se predispunha a dedicar-nos suas ternas palavras manuscritas no livro seu, que cada um pôde ali adquirir.

Foi então que, conhecendo eu um pouco o seu interior, ia finalmente - ao fim de quase três anos desde as primeiras frases que foram trocadas entre eu e ela nessa Ágora que é o ciberespaço - estar próximo dela não só em espírito mas também em corpo e ver a luz da sua grandeza. 

Quando ela viu a minha graça, este pseudónimo com que assino este blog, pareceu-me ficar agradavelmente surpreendida. E pegou-me nas minhas mãos, apertando-as enquanto me agradecia a presença ali. Até me fez quedar embatucado! Então Ela, que tão grande é, a mim, que pouco valho à sua beira, estava a comunicar-me o seu contentamento em me ver também!... Se bem percebi, que a comoção não me deixava lá muito lúcido. Oh, mistérios divinos... 

Naquelas nossas mãos apertadas, foi para mim - vejam lá a dimensão da minha presunção!... - como se os nossos dois corpos se abraçassem. Nem um minuto inteiro tal durou. Mas valeu pelos anos de espera esta benção então recebida.

E depois me retirei, que aquela Raínha para os outros estava ali. Já tinha tido o meu momento de magia.

Conhecia-a um dia enquanto participantes ambos num grupo de discussão na net sob o tema "que livros é que estão a ler neste momento?". Faz-me o favor e a honra de me deixar considerá-la minha amiga virtual desde então.


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Nesta viagem que eu fiz fui apoiado, no antes e no depois, por aquela que é e será a minha maior amiga de todos os tempos. Sem que esta soubesse totalmente dos detalhes desta empresa a que me propus,  As palavras suas confortaram-me incondicionalmente, à distãncia de vários sms's, enquanto solitário caminhei para lá ao lusco-fusco e de regresso, imerso no bréu da noite cálida. E as minhas emoções ficaram assim escudadas..

É por tudo isto que eu julgo que a vida, digo a minha, é um lugar estranho. Mas belíssimo.  

Recordo-me, quando nisto penso, nem sei bem porquê, da trama de um filme coreano a que assisti recentemente: "Shi - Poetry", no título divulgado internacionalmente.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Passa um rei - é o Poeta.
Não pela força de mandar,
mas pela graça mágica e secreta
De imaginar." ( Miguel Torga )



- Que gente doente nesta sala... Há um Mágico entre a assistênciaaaaaa?...

- Sim, UM!...



Mesmo antes de saber...eu lá tinha a minha razão/o meu sentir... quando disse que quem sente um certo momento como mágico...só pode ser Mágico. :)

AL

Anónimo disse...

quem sente um momento como mágico é porque... é Mágico...

AL

Giuseppe Pietrini disse...

Cara AL, o que sucederá a um mágico quando sente a sua arte observada à lupa por outro mágico de igual gabarito? Eu digo-lhe: aprimora-a. Refina-a.

Preciso de si, Anima Lucida. Se mérito me encontra, conto então com a sua ajuda. Em nome da arte. Quiçá ainda de algo maior. Cada vez Maior.

Beijim
José