Ora então, segundo reza a lenda, os humanos teriam originalmente quatro braços, quatro pernas e uma cabeça com dois rostos...
Isso teria preocupado Zeus, o deus supremo da antiguidade grega. Que receou o poder que os humanos assim deteriam. E fez-nos então um downsizing para o formato que temos agora. E com isso nos terá condenado a eternamente nos vermos forçados a andar em demanda da nossa outra metade... Boa!...
Este facto pode bem explicar porque nós, humanos, gostamos tanto de estar abraçados. Daquilo a que a uma caríssima alma amiga minha vi um dia designar por "carinho silencioso". Num lãnguido abraço demorado, um casal de humanos mortais numa rede deitado, numa tarde de estio ociosa, para compor um cenário imaginário, pode vivenciar a ilusão da reunificação das duas metades da laranja.
Este fait-divers da mitologia grega só por nos recordar isto já é delicioso! Mas não vou ficar satisfeito em quedar-me por aqui, que esta historinha é um mote demasiado rico para ser desperdiçado...
E agora, a partir desta base lendária, do acervo da nossa consolidada cultura universal, vou divagar. Deixar dar livre curso a esta minha inquieta imaginação. É que, para além desta forma de nos explicar porque temos esta pulsão de querer dar amor e carinho a um outro ser em que conseguimos antever uma metade separada de nós no passado, posso tentar encontrar algo mais, que também nos explique o que é o... huuummm!... sexo. Pronto, já disse a palavra que tornará doravante este post interdito a menores de idade.
A perfeição absoluta nunca existiu, nem mesmo no Olimpo. Se até o grande Zeus teve de corrigir uma vez a mão, neste particular da engenharia biológica do homem, então podemos admitir que houve mais detalhes que lhe escaparam nesta sua criativa obra.
Vamos presumir que a clivagem do homem original - com quatro braços, etc., - não foi 100% equitativa, de forma a produzir a partir de um só dois seres iguailinhos.
Pois é! Admitamos lá que quando se deu a tal cissão, houve um pedaço de massa corporal que se quedou agarrado a mais de um lado, como uma parte estranha a este; e a menos do outro, claro, onde restou uma cavidade cujo vazio clama por ser preenchido.
Para além ainda do plano físico, características psíquicas que conviviam no homem original numa perfeita harmonia yin-yang foram de igual modo mal repartidas.
Dois exemplos úteis que se pode dar de algumas dessas parcelas do carácter são a sensibilidade e a rusticidade. Opostas entre si, que ficaram em maior grau, respectivamente a primeira naquele ser dividido a que se passou a designar por MULHER e a segunda no HOMEM, tout court este último assim chamado, por facilitismo de linguagem, já que o original ser também já era assim.
Aqui chegados, vamos agora concretizar um pouco mais: aquela dita massa corporal que ficou a crédito do lado masculino, para dar os nomes aos bois, é o que os actuais experts em anatomia baptizaram por PÉNIS. E o déficit material da outra metade, a feminina, convencionaram ser a VAGINA.
Atrás se disse, lembre-se, que a sensibilidade pareceu ter ficado quase toda dum lado só. No caso, a metade feminina.
Isto é, em boa verdade, fácilmente demonstrável. Qualquer pessoa tem entranhada empiricamente a impressão que zonas sensíveis, ditas por vezes como erógenas, no corpo da Mulher estão espalhadas por todo e cada centímetro quadrado de pele. Já no Homem essas mesmas zonas erógenas estão todas concentradas aonde?... Pois! Exactamente aí onde está a pensar, caro leitor.
Nada disto é afinal surpreendente. E porquê?... Ora, justamente porque aquele pedaço que o pénis é era suposto não ter sido - nabice! - atabalhoadamente rasgado da metade corpo da Mulher. Isto é, se tudo corresse sempre bem nas bricolages dos trapalhões deuses gregos...
Mas bem, graças a Deus* que aconteceu deste modo. Há males que vêm por bem. Porque assim, para além de estarmos condenados ad eternum a procurar a nossa cara metade, quando a encontramos actua então em nós um instinto enraizado que nos impele, mais tarde ou mais cedo, a ter sexo com ela.
Já tantas vezes pensei com os meus botões da braguilha... que estranha actividade é esta do sexo! Se eu fosse um extraterrestre, não perceberia nem como esta terá surgido um dia, inventada a partir do quê, nem porque esta também parece ser tão prazeirosa para o comum dos mortais. E até de alguns dos deuses...
À luz do que aqui filosofei e romanciei, finalmente hoje entendo o que é afinal o sexo. Não é mais do que dois humanos a dedicarem-se a anular a obra de Zeus. Para dois voltarem a ser um só. E para ambiciosamente recuperar o alegado poder perdido. Daí o frenesim e o gozo com que muitos praticam o sexo.
Caberá aqui quiçá relatar agora um episódio engraçado que ocorreu com um amigo meu, de sua graça Carlinho.
Andave o pobre Carlinho de candeias às avessas com a sua Jaciara, já por um longo período, quando a ocasião se proporcionou que os dois resolvessem pôr a conversa em dia e em pratos limpos.
E por de pratos se tratar, Carlinho e Jaciara, no meio de acesa discussão, deram aquela abracinho bem hardcore, com ela sentada justo em cima da banca de pedra da pia da cozinha da casa dela. Consta que suaram bastante ambos...
Acto contínuo, Carlinho uma hora depois estava a passear-se pelas ruas da sua cidade com aquele sorrisinho besta que todos conhecemos a bailar-lhe no rosto. E para o justificar perante os amigos seus que o viram e sabiam de sua desventura e tentativa de reconciliação com Jaciara, exclamou esta frase sublime:
"Rapaiz, entrou até o pensamento!!!..." **
Fusão de dois seres que se amam mais perfeita que esta não pode haver, a meu ver!...
Maravilhosa, a nossa natureza humana. Que dotou o Homem dum lindo apêndice que lhe não pertence de pleno direito e do qual é tão-só fiel depositário. E que quando este encontra a legítima dona*** desse pedaço antes dela, o pénis se metamorfiza em espada de carne, então abundantemente irrigado de sangue. Bombado por um coração mais irrequieto, porque em presença finalmente da outra metade de si, prestes a reunificarem-se as duas.
É tão sublime também antes dos dois corpos se colarem e encaixarem, ou seja, antes do chamado coito, a veneração que ambas as partes envolvidas na refrega fazem primeiro do pedaço do outro corpo a ser-lhes entregue depois. Fase que se designa como os preliminares. Onde para além dessa adoração de zonas de lazer restritas, os nossos cinco sentidos se exercitam em manobras militares invadindo o território alheio todo, ávidos duma conquista rápida como as dos desenfreados cavaleiros hunos comandados por esse bárbaro do Átila.
Ao que se segue o tal de coito, ou como uns dizem, a penetração. Onde para se ser venturoso, não só o pénis deve adentrar como também a vagina abocanhar. E o pensamento dos dois combatentes ser uno mas ao mesmo tempo incontrolável, balanceando de lá p'ra cá e vice-versa, os dois conjuntos de neurónios em ebulição ligados em rede por essas ficha e tomada que o pénis e a vagina constituem.
E depois da tempestade, a calmaria. Algo mais elevado do que o sexo. Descrito aqui.
Obrigadinha, Zeus. Bem hajas pelo que nos fizeste. És um bacano. Tu também, segundo me consta, gostas pouco, gostas...
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* Qual, perguntar-me-ão?... O da vossa livre escolha. Ponham a vossa humana imaginação prodigiosa p'ra trabalhar também, seus calões!...
** Não cuidem porém que Carlinho é de se vangloriar da sua masculinidade, não. É até um doce de mocinho. E tinha por circunstãncia atenuante um estado depressivo em que o anterior desamor de sua Jaciara o tinha mergulhado.
*** Em italiano, o substantivo Mulher diz-se, nem por acaso, Donna. Mais um facto para corroborar as minhas tontas teorias.